Do blog do Colunão
quarta-feira, 1 de abril de 2009
MA: erraram foi o dia do comício
Nada assinala melhor o caráter artificial e farsesco do suposto “movimento em defesa da democracia no Maranhão” que o comício realizado ontem (31) na praça Deodoro, centro de São Luís. Cerca de 30 ônibus transportaram manifestantes trazidos da periferia e do interior do estado, mas nem assim a população ressabiada aderiu ao chamado dos organizadores.
As fotos publicadas hoje no Imparcial e no Jornal Pequeno, ambos governistas, são eloquentes: evitam o “plano geral” (que mostraria o conjunto da cena) para não ter que admitir que faltava gente e sobrava espaço na praça.
No segundo turno eleitoral de 2006, segundo os registros do TRE-MA, o Jackson Lago (PDT) recebeu 66,6 % dos votos válidos de São Luís. Se o governador não estivesse tão desgastado por dois anos de desordem, incompetência e corrupção — além da prisão de parentes e auxiliares suspeitos de crime, e seguidos conflitos com professores, policiais civis, agentes penitenciários e defensores públicos — era de se esperar que os eleitores aderissem à milionária campanha oficial contra o TSE.
Não é o que acontece. A população não se anima nem com a derrota de Jackson, nem com o iminente retorno de Roseana Sarney (PMDB). Pesquisas indicam que a rejeição do governador na capital ultrapassa 70 por cento.
Fabulação marqueteira
Mas não é só que a mobilização tenha fracassado. É que seus pretextos não passam de engodo. Segundo a propaganda governista, o evento serviria ao duplo objetivo de “repudiar a ditadura instaurada em 31 de março de 1964” e defender o “mandato popular”.
A ideia era convencer os indecisos de que a cassação do mandato do governador, por abusos cometidos por ele e pelo ex-governador José Reinaldo na eleição de 2006, representa um ato equivalente ao que os militares desfecharam em 1964 contra o presidente João Goulart.
Na fabulação dos marqueteiros, é como se a democracia restaurada em 1985 excluísse a hipótese de cassar mandatos obtidos por meios fraudulentos, entre os quais a transferência de pelo menos R$ 700 milhões para prefeituras alinhadas com o candidato oficial, parte dos quais no período vedado pela legislação.
Como se fosse característico das ditaduras o exame de argumentos e provas durante mais de dois anos, antes que cinco dos sete ministros eleitorais, inclusive três do Supremo Tribunal Federal, se declarassem convencidos de que a cassação é necessária. Ou como se a posse de Roseana como governadora eleita, deferida por 6 dos 7 ministros do TSE, mas ainda passível de revisão no STF, fosse o mesmo que o gorilaço que transformou em presidente o marechal Castelo Branco.
Opção pela direita
Jackson foi três vezes prefeito de São Luís e está governador há 27 meses. No exercício desses cargos, inúmeras vezes viu passar o 31 de março sem que lhe ocorresse promover comícios contra a ditadura de 64.
Nem poderia. Muitos de seus principais aliados e auxiliares foram beneficiários da ditadura. O secretário da Educação, Lourenço Vieira, presidente do Incra no governo Geisel — época de intensa grilagem de terras na Amazõnia Legal — militava no esquema político-militar do general Sylvio Frota, protetor dos DOI-CODIs e inimigo da “abertura”. O chefe da Casa Civil é o ex-malufista Aderson Lago (PSDB), notório titular do escândalo Ópera Prima (acharam dinheiro desviado da Saúde pública na conta de um filho dele).
O resto é dominado por tucanos ou equivalentes e ex-sarneístas renegados ou refugados. Aos partidos de esquerda, PT e PCdoB, Jackson reservou secretarias irrelevantes ou meramente “adjuntas”, onde é justo reconhecer que a maioria nada acrescenta em eficiência e alguns nem mesmo em probidade. Numa disputa entre esquerda e direita, como ocorreu na eleição municipal do ano passado — PSDB versus PCdoB — o governador fez clara opção pela direita.
Relíquia do golpe
A insinceridade do “repúdio ao golpe” — assim proclamado pela imprensa governista — evidenciu-se ainda mais no próprio comício. Quem estava lá, ombro a ombro com Jackson, João Pedro Stédile (MST), Domingos Dutra (deputado federal PT) e com a cantora brizolista Beth Carvalho? Além de Aderson e Lourenço, ninguém menos que o prefeito de São Luís, João Castelo (PSDB), estrela maior da constelação tucano-direitista no Maranhão.
Indicado por Sarney, escolhido pelos generais Geisel e Figueiredo e “eleito” indiretamente por uma Assembleia submissa à corneta militar, Castelo foi justamente o último governador imposto ao Maranhão pela ditadura de 64. É quase uma relíquia daqueles tempos, mais ainda que o próprio Sarney, cuja carreira iniciou-se antes de 64 e não exerceu mandato “biônico”.
Castelo, a bem da verdade, nunca pecou por incoerência ideológica. Vinte anos depois do golpe, quando se tratava de escolher entre um civil apoiado pela direita reacionária e o candidato da restauração democrático, preferiu Maluf a Tancredo Neves. E não se diga que foi por causa apenas de Sarney, vice de Tancredo, com quem já estava rompido. Adversários como os baianos ACM e Waldir Pires, ou como os paulistas Quércia e Fernando Henrique conviviam no movimento Tancredo-já.
Não é o caso de condená-lo à proscrição eterna por causa disso. Foi governador e senador na ditadura, votou para que não acabasse. Mas a ditadura acabou e não é mais por causa dela que Castelo marca presença na política do Maranhão há quase 40 anos.
Dá até talvez para perdoá-lo por subir num palanque de 31 de março “contra o golpe e em defesa da democracia”. Primeiro porque — forçando um pouco... — ele e os seus jamais admitiram que 1964 foi um golpe contra a democracia, preferindo alegar que os golpistas evitaram uma revolução comunista no Brasil. Segundo porque Castelo elegeu-se prefeito no ano passado com o apoio algo dissimulado mas indiscutível do atual governador. De modo que o dever de gratidão recomenda-lhe assistir o correligionário nas horas finais.
O que causa estranheza, mesmo, se você não conhece os atores e dramas da política maranhense — e se conhece mal os atores “nacionais” — é que um ex-governador biônico nomeado por golpistas seja figura de destaque num evento “contra o golpe”.
Cassação regular
Para compreender o que se passa é necessário cair na real. Governador denunciado pela Procuradoria Geral da República como partícipe do bando Gautama (desbaratado em maio de 2007 pela Operação Navalha, da PF), Jackson está sendo cassado por delitos apurados em processo regular, cuja única falha relevante é a lentidão.
Graças a ela, continua no cargo um mês após a sessão que o cassou, gastando o que deve e o que não deve, enquanto aguarda o julgamento de embargos declaratórios de eficácia “infringente” (modificativa) mais do que improvável. São mais de dois anos de exercício de um mandato de quatro, que o TSE entende conquistado ilicitamente.
A cassação não tem nada a ver com golpe, pois só um louco imaginaria que Sarney comprou a consciência de 70% do TSE, incluindo três dos 11 ministros do STF, escolhidos por rodízio.
Golpe é a intenção anunciada por Stédile e aliados de impedir pela força o cumprimento da sentença, provocar uma “crise institucional”, forçar uma “intervenção federal” e finalmente obrigar o presidente Lula a — acredite — “devolver o mandato a Jackson”. Naturalmente depois de fechar o Congresso e o Judiciário e transformar o MST numa caricatura de Soviet Supremo.
É esquisito e chega a ser suspeito que Stédile demonstre em defesa de Jackson um entusiasmo revolucionário que lhe faltou quando Lula parecia ameaçado de impeachment na crise do mensalão. Ainda mais que ninguém sabia, até recentemente, dessa estreita afinidade entre o governador do Maranhão e o plêmico líder dos sem-terra. Nem mesmo ele participou da campanha de 2006 no Maranhão.
A única explicação é que Stédile deixou-se empolgar pela parceria que lhe ofereceu o estado para alfabetizar lavradores nos acampamentos do interior. Os repasses cabem à secretaria daquele Lourenço Vieira do general Frota.
Movimento “contra o golpe”? Deviam ter deixado para hoje, 1o de abril, Dia da Mentira. Que aliás foi o verdadeiro dia do golpe de 64.
Pare de gastar
Fonte do Governo informa que Jackson vai recorrer ao Tribunal de Justiça, na tentativa de cassar a liminar do juiz Megbel Abdalla (4a vara da Fazenda Pública) que o proíbe de continuar decretando “créditos suplementares”. A medida foi requerida pelo líder do PMDB na Assembleia, Ricardo Murad, cunhado de Roseana Sarney.
Desde que foi cassado pelo TSE, Jackson já autorizou cerca de R$ 320 milhões oriundos da reserva financeira do estado. Só à prefeitura de São Luís serão repassados R$ 70 milhões para obras diversas.
O governador tomou também várias medidas que aumentam os gastos do Executivo e comprometem rendas futuras. Uma das últimas foi a promoção de 6300 professores, que por isso receberão reajuste de 100%. Ao funcionalismo em geral, anunciou inesperadamente um aumento de 12%. Em ambos os casos, os dispêndios começam apenas no provável governo Roseana.
Walter Rodrigues
http://www.walter-rodrigues.jor.br/
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Zeca, tu escreve muito bem, e consegue traduzir com argumentos reais a indignação de muitos. Parabéns pelo texto!
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