quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Clãs Lago e Sarney farinha do mesmo saco

Ópera Prima é mascarada na Folha
O esquema midiático do governador do Maranhão conseguiu plantar na Folha de S.Paulo de domingo (8) apenas o que lhe convém sobre a gravação da Polícia Federal em que o senador José Sarney trata do caso Ópera Prima com seu filho Fernando, principal executivo do Sistema Mirante de Comunicação. Jornais governistas de São Luís reproduziram parte da matéria, sem acrescentar quase nada.

Ópera Prima é o nome do escândalo de peculato envolvendo o secretário chefe da Casa Civil do Governo do Maranhão, Aderson Lago Filho (PSDB), primo do governador Jackson Lago (PDT), e outros políticos da coligação estadual no poder.

Documentos e informações divulgados em meados de abril mostram que uma verba de convênio do Governo do Maranhão com a Prefeitura de Caxias (MA), governada por Humberto Coutinho (PDT), foi desviada em 2006 por intermédio de um laranja e terminou na conta bancária da empresa Ópera Prima Produções Artísticas Ltda, do Rio. A firma pertence a Aderson Lago Neto, filho do secretário.

Na época do desfalque, o governador era José Reinaldo Tavares (PSB) e Aderson concorria ao Governo como “candidato auxiliar” ou laranja do primo Jackson.

Na matéria da Folha, o escândalo Ópera Prima aparece sem nome e resume-se assim: “uma denúncia publicada num blog do Maranhão”. Sem nenhum esclarecimento adicional. Como se o furto provado de dinheiro da saúde pública estadual fosse um detalhe sem importância, em comparação com o fato de Sarney conversar sobre o assunto com filho dele.

Visão torcida
Toda a matéria da Folha gira em torno da “revelação” de que Sarney “usou jornal e TV para atacar o grupo Lago”. Quanto ao jornal, a Folha não explica por que isso seria surpreendente ou notável, já que os grupos Lago e Sarney são adversários. Sem contar que a própria Folha ataca Lula, Marta Suplicy, Chávez, Morales e outros, sempre que lhe parece adequado, não sendo necessário grampear o telefone de ninguém para saber dessas matérias.

A referência à TV soa mais estranha. A Folha lembra que TVs são concessões públicas e que a lei interdita seu uso para fins políticos. Deixa de acrescentar que nunca impediu nem deve impedir as concessionárias — mesmo as que respeitam a lei — de divulgar documentos e outras informações sobre desvio de verba pública. Só o que se exige é que sejam notícias corretas e que respeitem a objetivadade dos fatos. A Folha, porém, nem tenta demonstrar que Aderson é inocente no Ópera Prima, até porque não dá a minima pista ao leitor sobre o que seja o caso.

Já bastante esquisita, essa falha empalidece diante da mais grave. Os repórteres da Folha não souberam ou não quiseram ver que, nesse episódio, ao contrário do que diz o jornal, Sarney não usou televisão nenhuma. Apesar de seu desejo manifesto, o filho jamais deixou que a TV Mirante mostrasse aos telespectadores o caso Ópera Prima, nem antes nem depois do grampo da PF. Em vez de “Sarney usou TV para atacar Lago”, o correto seria informar que “filho de Sarney usou TV para proteger Lago”. E perguntar o porquê dessa estranha associação.

Nem o pai pedindo
A gravação divulgada pela Folha mostra justamente o momento em que Sarney, depois de ler no Blogue do Colunão a notícia do envolvimento de Aderson, tenta convencer Fernando a bombardear na TV o primo de Jackson com o escândalo Ópera Prima. Não compreende como é que o malfeito do desafeto saiu no Colunão e não no Sistema Mirante. No empenho de comover o filho, chega a aludir à “crueldade” dos ataques que Aderson costuma lançar à família deles — os quais, embora nem sempre injustos, não raro são muito mais violentos do que a Folha dá a entender.

O trecho de gravação PF entregue à Folha mostra claramente como Fernando resiste, até de mau-humor. Alega que não há motivo para “pressa”, reclama da “pressão” do pai e diz que “a coisa”, a divulgação, está sendo feita gradativamente, ou, como ele prefere, errando no advérbio, “construtivamente”.

Quando o ex-presidente alude ao “blogue do Walter Rodrigues”, o filho lhe corta bruscamente a palavra para afiançar que o “vazamento” foi “proposital”, conforme a tal estratégia “construtiva” que estaria pondo em prática. Promete também que a matéria vai sair na TV Globo. Já teria até mostrado o material a um "cara" da Globo. Sarney termina a conversa parecendo conformado, mas incrédulo. Tinha razão. Até hoje nem Mirante nem Globo deram nada a respeito e o assunto praticamente sumiu da mídia sarneísta.

A alegação de suposto vazamento para o Colunão, como já foi dito antes aqui, é falsa. Não houve vazamento.

Este jornalista apenas leu no Estado o número da conta e da agência bancária que receptara o dinheiro, saiu a campo e completou a notícia. Foi uma investigação relativamente fácil, coroada quando Aderson Lago Neto veio ao telefone, pediu 20 minutos para esclarecer a denúncia e nunca mais se deixou acessar.

Pecúnia explica
Nenhuma pessoa de inteligência e boa fé, dadas as circunstâncias, acredita na versão que Fernando contou ao pai. Se fosse para eximir-se da responsabilidade (e por que, se Aderson é um desafeto?), bastaria entregar o material desde o início ao Colunão, ou mediante o compromisso de sigilo, ou por mãos anônimas.

A explicação mais provável desse suposto mistério reside nos negócios, não na política. Jackson & Aderson restabeleceram a irrigação publicitária do Sistema Mirante, suspensa pelo ex-governador José Reinaldo quando rompeu com a família Sarney em 2004. Pagaram até os “atrasados” do governo anterior. Hoje o Estado anuncia na TV e no portal do sistema.

Não se afasta a hipótese de outros negócios, menos visíveis, envolvendo o executivo da Mirante, tido como a pessoa mais argentária da família Sarney, e o chefe da Casa Civil, cuja vocação administrativa guia-se pela mesma bandeira. Como eles próprios costumam dizer, negócio é negócio.

Verba eficaz
A verba oficial não paga só os anúncios no portal iMirante e na TV Mirante. Remunera também comedimentos e benevolências, especialmente na TV, como fica evidente no diálogo gravado pela PF.

Jackson é intocável na TV Mirante. Mesmo quando noticia o processo de cassação do governador no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a TV dos Sarneys capricha na “objetividade”.

Até as denúncias de corrupção frequentes no jornal e nas rádios do Sistema quase nunca atingem diretamente o próprio Jackson. Concentram-se nos secretários e outros auxiliares, muitas vezes de forma suspeita também, com súbitas interrupções e “esquecimentos”.

Completando a notícia
Os leitores do Blogue do Colunão sabem como foi.

O jornal O Estado do Maranhão (do Sistema Mirante) recebeu os documentos que provavam o peculato com a verba do convênio Estado/Caxias. Com base neles, publicou matéria identificando o convênio, o nome do microempresário laranja que intermediou a transação e o número da agência e da conta Bradesco que recebeu a verba no Rio. Só não publicou quem era o dono da conta. Contou o milagre e escondeu o santo.

Dias depois, o Colunão entrou em cena e batizou o santo: Ópera Prima Produções Artisticas Ltda, empresa de Aderson Lago Neto. Matéria publicada em 16/4/09 (releia aqui.). Só então o Estado publicou o nome da firma e do filho do secretário.

Conversa cortada
Sarney liga para Fernando em 17/4/09, um dia depois da matéria do Colunão, sem saber que a PF monitorava os telefones do filho. Ambos sabiam apenas, como se vê noutra parte da conversa, que havia um processo na Justiça Federal do Maranhão e que fora quebrado o sigilo de uma conta de Fernando no Banco da Amazônia. Respondendo ao pai, Fernando confirma que recebeu informações sobre o assunto da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Veja aqui o diálogo publicado pela Folha e reproduzido na imprensa governista de São Luís. Está incompleto, mutilado, como indicam os pontos suspensivos (...). Quem pôde ouvir o áudio completo ficou ainda mais convicto de que Fernando não queria alvejar Aderson, e apenas procurava desvencilhar-se das pressões do pai.

Sarney — Meu filho, esse negócio que eu li hoje do filho do Aderson Lago e do Aderson Lago... meu filho, esse sujeito foi muito cruel com a gente (Note que Aderson é adversário dos Sarneys, mas o senador precisa argumentar com a crueldade dele para tentar convencer o filho a deixar de protegê-lo).
Fernando — (...) não sei por que essa pressa. Fiz isso desde o começo, consegui os documentos.

Sarney — Eu vi hoje no Walter Rodrigues...
Fernando — Viu não, foi vazado propositadamente (...)

Sarney —Põe na TV. Manda botar o destino do dinheiro (...)
Fernando — O cara já está aqui, da Globo (...)

Sarney — Falou com ele isso, não?
Fernando — Falei com ele, mostrei tudo (...). Mas calma, não precisa pressa, não precisa pressão.

Sarney — Pressão não, rapaz.
Fernando — (...) Passei para o Sérgio, tô soltando no jornal pouco a pouco, a vazada foi proposital (...).

Nota de WR — O Sérgio referido aí é o jornalista Sérgio Macedo, ex-secretário estadual da Comunicação, ligada a Fernando e ao Sistema Mirante.

Matéria da Folha

“Grampo da PF indica que Sarney usou jornal e TV para atacar grupo de Lago. Governador Governador do MA também é acusado, por assessores de Sarney, de usar veículos de comunicação para ataques. Como as emissoras de TV são concessões públicas, a lei 4.117/62 proíbe seu uso para fins políticos; senador não comenta a escuta da PF

Leonardo Souza e Felipe Seligman
Da Sucursal e Brasília (8/2/2009)

O senador José Sarney (PMDB-AP) e seu filho Fernando Sarney aparecem em uma escuta legal da Polícia Federal discutindo o uso de duas empresas do grupo de comunicação da família -a TV Mirante (afiliada da Rede Globo) e o jornal "O Estado do Maranhão"- para veicular denúncias contra seus rivais do grupo do governador Jackson Lago (PDT).

O Maranhão vive uma acirrada disputa política entre Sarney, eleito presidente do Senado na segunda-feira, e Lago -que também é acusado pelo grupo do senador de utilizar a mídia local para atacá-lo.

Em uma das conversas, a cujo áudio a Folha teve acesso, Sarney liga para seu filho pedindo que ele levasse à TV acusações contra Aderson Lago, primo e chefe da Casa Civil do governador Lago, que derrotou a filha de Sarney, Roseana, em 2006. Como as emissoras de TV operam por meio de concessão pública, a lei 4.117/62 veda seu uso para fins políticos.

O grampo foi feito pela PF nos telefones de Fernando, principal alvo da Operação Boi Barrica, que apura movimentações financeiras de empresas da família Sarney no período eleitoral de 2006. Fernando sacou R$ 2 milhões nos dias 25 e 26 de outubro daquele ano, três dias antes do segundo turno. O senador não é alvo do inquérito. Procurados pela Folha, Sarney e Fernando não quiseram se manifestar sobre o assunto.

Em um diálogo de 17 de abril de 2008, os dois tratam de uma denúncia publicada num blog do Maranhão contra Aderson e seu filho, Aderson Neto. Segundo o blog, Neto teria se envolvido em desvio de recursos públicos de convênios firmados entre a Prefeitura de Caxias (MA) e o governo estadual.

Na conversa, Sarney manda Fernando — que dirige o grupo de comunicação da família — levar ao ar na TV Mirante uma reportagem sobre o caso, ressaltando que Aderson sempre o atacou e que o insultou de “maneira brutal” num artigo. Fernando dá a entender que foi ele quem vazou a informação contra Aderson para o blog, e que já estava preparando reportagens sobre o tema tanto na TV quanto no jornal da família. [Nota de WR: Como se pode ver na gravação transcrica abaixo, há dois erros neste parágrafo. Nem Sarney “ordena” nada, nem Fernando se compromete de pôr o caso Ópera Prima na TV Mirante].

Sarney provavelmente se referia a um artigo publicado por Aderson no Jornal Pequeno e em O Imparcial, no dia 15 de maio de 2007. No texto, Aderson chamou Sarney de “velho oligarca” e disse que luta contra o grupo do ex-presidente desde 1990, tendo feito “algumas das denúncias que mais incomodaram aquele que desejou ser o dono do Maranhão”.

Reportagem — No dia seguinte ao diálogo entre Sarney e seu filho, O Estado do Maranhão publicou a reportagem “Empresa sediada no Rio recebeu verba pública destinada a Caxias”, sobre a denúncia contra Aderson e seu filho. Houve ainda duas outras reportagens negativas a Lago na semana seguinte. Lago diz que a TV também fez matérias sobre as denúncias. Como o site da TV está fora do ar, não foi possível consultar os arquivos para verificar se isso ocorreu. (WR: a TV Mirante não tem saite, nem jamais publicou nada sobre o caso Ópera Prima).

Aliados de Sarney, por seu turno, acusam Lago da mesma prática, utilizando veículos locais capitaneados pelo Jornal Pequeno. “Os veículos de comunicação a serviço do governador Jackson Lago, entre os quais o Jornal Pequeno, atacam a família Sarney de forma irresponsável, criminosa e sistemática, mas nem por isso a família Sarney usa seus veículos de comunicação para responder a essas calúnias”, disse a assessoria do senador, que não quis comentar o grampo.

O deputado estadual Ricardo Murad (PMDB), líder do bloco de oposição ao governo estadual, vai ainda mais longe. Murad afirmou que Jackson Lago, por meio da Secretaria de Comunicação do Estado, financia diversos veículos de comunicação para atacar a família Sarney: “Com a exceção do sistema Mirante, quase todos os veículos de comunicação do Estado estão a serviço do governador. Esses jornais, capitaneados pelo Jornal Pequeno, são bancados pela Secom”, disse Murad, sem exibir provas. Lourival Bogéa, diretor-geral e sócio do Jornal Pequeno, rebateu as acusações: “O Jornal Pequeno é um veículo de comunicação que tem uma causa no Maranhão, que é a causa da democracia política”.

Aderson Lago também nega as acusações: “Desde o primeiro dia do governo, eles tentam nos atacar, seja pela televisão, rádio, jornal ou blog”, disse ele. Segundo ele, aliados da família Sarney chegaram a pedir investigação ao Ministério Público Federal, sem sucesso. A Procuradoria da República no Maranhão confirmou que não há procedimento sobre o assunto. A Folha também não localizou processos contra Aderson e seu filho relacionadas ao caso.

Em 2001, Aderson ganhou uma causa no STJ por “danos morais” contra a Gráfica Escolar S/A, que edita O Estado do Maranhão. Segundo Lago, seu filho foi tachado de “assassino” após um acidente de carro.”
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Amanhã no Colunão: mais sobre o grampo da PF.
http://www.walter-rodrigues.jor.br/
Walter Rodrigues | 16:15

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