Itevaldo Júnior
Repórter especial
Há cinco anos a revista Veja denunciou, em uma reportagem do jornalista Policarpo Júnior, o esquema de corrupção do pagamento de obras rodoviárias fantasmas pelo então governador José Reinaldo Tavares (PSB). Fraude em seguida confirmada por O Estado e comprovada pelo Ministério Público Estadual (MP). Mas até hoje nenhum dos cerca de 40 processos cíveis e criminais que tramitam na Justiça Estadual teve sequer uma instrução concluída.
Depois de quatro anos de ajuizadas as primeiras denúncias do MP, o Tribunal de Justiça decidiu que todos os processos cíveis e criminais deveriam ser redistribuídos para uma única Vara Cível e outra Criminal. Em agosto de 2009, os processos criminais foram todos para a 2ª Vara, já os cíveis foram redistribuídos para a 4ª Vara Criminal, entre os meses de setembro e dezembro.
A redistribuição para uma única Vara cível e uma criminal foi determinada pelo desembargador Antônio Guerreiro Júnior, hoje corregedor-geral de Justiça, tomando por base a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 2797, que determinou a remessa de todos os processos impetrados contra os réus para distribuição a uma da Varas da Fazenda Pública da Capital.
"O juízo ao qual for distribuído o primeiro processo se encontrará, por força de lei, prevento para processar todas as outras ações civis públicas destinadas a apurar o suposto "escândalo das estradas fantasmas" - causas conexas relacionadas - a título de evitar, nesta tão delicada querela, a inconveniência desnecessária dos julgamentos díspares", decidiu o desembargador.
Datas - As primeiras 18 ações de improbidade administrativa foram distribuídas praticamente nas mesmas datas contra os denunciados para as cinco varas da Fazenda Pública distintas. O MP na época chegou a criticar o TJ pela medida. Os processos cíveis estão com o juiz Megbel Abdala e os criminais com o magistrado Ronaldo Maciel.
"Depois de quase quatro anos, tomaram a decisão de remeterem todos os processos para uma Vara Cível e outra Criminal, enfim uma medida acertada sobre o caso", disse um dos promotores que atuou no caso das "estradas fantasmas".
A única decisão desfavorável ao esquema foi a decretação da indisponibilidade dos bens, até o valor de R$ 557.339,46 mil, da Petra Construções Ltda, e dos sócios da empreiteira - Lourival Parente Filho e Adriano Muzzi.
José Reinaldo ainda tentou manter contratos de obras do esquema fraudulento
O ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB) tentou manter os contratos e pagamentos empenhados para cinco das sete empreiteiras envolvidas na fraude das estradas fantasmas, ao ingressar na época no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com um pedido de suspensão de liminar, contra parte das decisões dadas pelo desembargador Antônio Guerreiro Júnior, relator do processo cível da ação judicial.
No pedido de suspensão da liminar, José Reinaldo argumentou que a suspensão dos contratos em execução e dos pagamentos empenhados para as empreiteiras L.J. Construções, Petra Construções, Construtora Sersen, J.J Engenharia e Construções e a Diamantina Construções, assim como outras empresas de que seja sócio Lourival Parente Filho, ameaçava as ordens jurídica e pública do estado.
O pedido de suspensão da liminar foi assinado pelo ex-procurador-geral do Estado, Raimundo Marques. O ex-ministro Edson Vidigal, então presidente do STJ, negou o pedido do governo estadual. Em 2006, Vidigal deixaria o STJ para ser candidato a governador do Maranhão, apoiado por José Reinaldo Tavares.
Em sua alegação, o Governo do Estado afirmou que a ordem pública administrativa estava ameaçada na medida em que a decisão do desembargador configura "uma intervenção na administração pública, quando determina, de forma genérica, a suspensão não só dos contratos em que se constataram irregularidades, mas de todos os contratos de execução de obras, regularmente celebradas entre o Estado e particulares, contrariando o interesse público".
Em sua defesa, o Governo alegou ainda que a manutenção das decisões liminares comprometia a economia estadual. "Haverá evidente comprometimento da economia pública, ante a suspensão parcial da execução de obras essenciais à população, e que já se acham em andamento, destacando o impacto financeiro negativo a ser arcado pelos cofres públicos", argumentou o governador.
Negativa - Em sua decisão, o ex-ministro Edson Vidigal afirmou que "o presidente do STJ está autorizado a suspender a execução de liminar concedida em única ou última instância, quando a controvérsia contiver índole infraconstitucional".
À época o então presidente do STJ argumentou que "é inviável o pedido de suspensão de liminar concedida pelo desembargador relator, acaso ainda não apreciado eventual agravo interposto da decisão cuja suspensão se pretende".
Ao negar o pedido do governo estadual, o ex-ministro apontou que "não existe decisão de última instância, à vista do pedido de suspensão interposto de mera decisão interlocutória singular, impossibilitando juridicamente sua concessão. Pelo que nego seguimento ao pedido".
Maioria dos povoados a serem beneficiados com obras pagas não existia
Fraude foi revelada por documentos e pessoas dos municípios em que estradas seriam feitas
Dos 50 povoados que deveriam ter sido beneficiados com as estradas vicinais pagas no esquema fraudulento, 42 inexistem. Documentos obtidos à época por O Estado comprovaram o pagamento de obras em povoados que moradores dos 18 municípios abrangidos pelo esquema afirmaram desconhecer.
O esquema das estradas virtuais do governo José Reinaldo montou o cronograma de execução das obras e dos valores a serem pagos para cada uma das estradas vicinais inexistentes. Os recursos pagos pela ‘construção’ das rodovias variaram entre R$ 147.912,00 e R$149.324,00, dentro do limite para as cartas-convite falsas, o que garantiu a dispensa da licitação, e com aditivos entre R$ 36 e R$ 37 mil.
A gestão de José Reinaldo Tavares (PSB) pagou com recursos do Tesouro Estadual R$ 19,5 milhões malversados com a fraude das estradas fantasma. Se adicionarmos a esse montante mais R$ 8,4 milhões em obras viárias contratadas e não realizadas pelas construtoras, sumiram pelo ralo da corrupção R$ 27,9 milhões, como comprovam documentos obtidos e publicados por O Estado.
Os R$ 12 milhões foram destinados a apenas quatro construtoras. As obras rodoviárias foram contratadas e pagas às empreiteiras Construtora Gautama, Enciza Engenharia, Petra Construções e L.J. Construções, as duas últimas beneficiárias do esquema de corrupção das estradas fantasmas comprovado pelo Ministério Público.
Barro duro - Além dos R$ 8,4 milhões das 56 estradas vicinais não construídas – comprovadas pelo MP -, o governo estadual pagou antecipadamente e em regime de prioridade os mesmos R$ 8,4 milhões por três obras: uma ponte sobre o riacho Barro Duro, em Tutóia, e a recuperação emergencial dos pontos críticos das rodovias MA-373 e MA-006.
Um relatório elaborado à época pelos seis deputados estaduais que integravam a Comissão Externa da Assembléia que analisou a situação das estradas maranhenses já assinalava a má aplicação das verbas destinadas à malha rodoviária estadual.
Segundo o relatório, apresentado em outubro de 2005, o governo José Reinaldo Tavares gastou R$ 227,1 milhões na “recuperação” e “construção” de rodovias no estado entre os anos de 2002 e 2003. A comissão apontou no documento que seriam necessários somente R$ 105,8 milhões para que as MAs estivessem em boas condições de trafegabilidade.
Como operava a fraude
Na ações apresentadas ao Tribunal de Justiça, o procurador-geral de Justiça explicou como funcionava o esquema de desvio de recursos públicos por meio da “construção” de estradas fantasmas.
1- A estimativa de custo da obra era elaborada pelo réu José de Ribamar Teixeira Santos, que inventava os trechos e locais, como ele próprio confessou aos promotores.
2- Elaborado o orçamento, este era enviado por Reinaldo Carneiro Bandeira e João Dominici solicitando o início do serviço.
3- Reinaldo Carneiro Bandeira e João Dominici tinham ciência que se tratava de simulação pelas seguintes razões:
a) Essas obras não decorriam de planejamento prévio;
b) O réu José Ribamar Teixeira não tinha autonomia para escolher os trechos;
c) A escolha das obras ficava a cargo de João Dominici, conforme sua discricionariedade administrativa, que repassava a Reinaldo Carneiro Bandeira o encaminhamento das medidas administrativas tendentes à elaboração dos orçamentos. Portanto, não havia como ser autorizada a licitação desses trechos sem que deles tivessem ciência os réus Reinaldo Bandeira e João Dominici.
4- Informada a existência de dotação orçamentária, entrava em ação o advogado Luís Carlos Mesquita, o qual acumulava as funções de assessor jurídico e membro da Comissão Setorial de Licitação (CSL), e, de plano, opinava pela modalidade carta-convite. Ocorre que a proximidade do valor estimado pelo orçamento com o teto da carta-convite recomendava a opção tomada de preço já que, sabido que o cálculo de estradas é impreciso, seria previsível a ocorrência de aditivo e, portanto, o valor pago seria superior ao teto de R$ 150 mil, o que efetivamente ocorreu em todos os casos.
5- As propostas que concorriam eram elaboradas com idênticos erros ortográficos. Todos contém na planilha orçamentária a expressão jazida grafada com “s” (jasida). A expressão “a validade da proposta e de 20 (vinte)” era feita sem o acento agudo no “é”, enquanto palavra transporte era escrita sem o “s” (tranporte).
Dolosamente, a CSL, integrada por Luís Carlos Mesquita, Márcio Ribeiro Machado e José Izidro Chagas da Silva, não examinava atentamente as propostas, eis que seu objetivo era favorecer a Petra Construções.
As empresas participante forneciam seu papel timbrado e assinaturas para essa fraude e com a atuação da CSL o resultado do certame era homologado. Isso só era possível porque a CSL, orientada por Luís Carlos Mesquita, montava a licitação fraudulenta
6- Adjudicada a obra, entrava novamente em ação o réu José Ribamar Teixeira, que atestava a realização da obra inexistente. Juntamente com ele, Reinaldo Carneiro Bandeira assinava o laudo de medição, de local inexistente e no qual confessa que nunca esteve. Para a garantia do pagamento, entrava novamente em ação Luís Carlos Mesquita emitindo parecer favorável.
7- A quantia paga era muito próxima do contratado e, assim, logo em seguida, reaparecia José Ribamar Teixeira pedindo aditivo à obra inexistente, soba a alegação de necessidade de serviços não previstos no levantamento inicial. Após, entrava em ação Luís Carlos Mesquita, que emitia parecer favorável. Seguindo a mesma seqüência, exceto a participação da CSL, o aditivo era autorizado e pago, tudo com a participação de João Dominici, ordenador de despesa e que confirmou ter controle das estradas vicinais que eram licitadas.
8- Autorizado o pagamento, a quantia era empenhada e logo depositado na contra da Petra e L.J.Construções, gerando enriquecimento ilícito de réu Lourival Parente Filho.
Fonte: Ministério Público Estadual
Promotores constataram desvios denunciados por O Estado e TV Mirante
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Os promotores já investigavam a falcatrua - arquitetada na Secretaria de Estado de Infra-Estrutura (Sinfra), à época sob o comando de João Cândido Dominici, cunhado do ex-governador - quando a revista Veja trouxe a matéria sobre o assunto.
Segundo a reportagem da semanal, as estradas eram pagas sem ser construídas. O dinheiro era rateado entre servidores do governo (80%) e empreiteiros (20%). As rodovias ligavam o nada a lugar algum. O jornal O Estado e a TV Mirante foram aos povoados e confirmaram a fraude. Dos 50 lugarejos visitados pelos repórteres, em 42 deles inexistiam os povoados.
Cinco anos após as primeiras denúncias, o MP investigou mais 120 outros contratos fraudulentos montados na Sinfra, na época comandada por João Cândido Dominici, cunhado do governador. Foram montados 103 contratos falsos de construção de rodovias vicinais na gestão de José Reinaldo.
Se tomarmos como base o valor inicial da estrada fantasma de R$ 150.000,00, o esquema de corrupção usurpou dos cofres do Estado R$ 15 milhões e 450 mil. Se forem acrescentados os aditivos de 25%, a falcatrua consumiu R$ 19,5 milhões.
A primeira denúncia do esquema de corrupção das estradas fantasma foi feita ao MP, em novembro de 2004, pelo repórter Roberto Kovalick, da Rede Globo, por meio de e-mail ao procurador-geral de Justiça. Ele informou o pagamento de 19 rodovias fantasmas no Maranhão.
O MP denunciou à Justiça, por formação de quadrilha, peculato e fraude em licitação pública, 20 pessoas envolvidas no esquema. A lista de denunciados traz os representantes de empresas como construtoras Petra Construções e L.J. Construções; os funcionários da Sinfra Reinaldo Carneiro Bandeira, José Ribamar Teixeira, Luiz Carlos Mesquita, José Izidro Chagas Silva e Márcio Ribeiro Machado; e representantes das empresas J.J. Engenharia, Construtora Primor, Trasko Engenharia, Beton Engenharia, Diamantina Construções e Construtora Sercem. Segundo a denúncia, os empresários davam “cobertura” às empresas que ganharam os contratos, ou seja, participavam de licitações falsas apenas para legitimar as vencedoras.
Os arquitetos da fraude
João Cândido Dominici – Ex-secretário de Infra-estrutura e cunhado de José Reinaldo Tavares. De acordo com o Ministério Público, era quem comandava a montagem dos processos fraudulentos e liberava os pagamentos. Responde por formação de quadrilha, peculato e improbidade administrativa. Foi afastado do serviço público por determinação da Justiça.
Lourival Parente Filho – Proprietário das Construtoras Petra e LJ Construções era o cérebro na outra ponta do esquema de corrupção. As suas empresas receberam os R$ 3,6 milhões desviados. Ele ficava com 20% do valor desviado. Também responde por formação de quadrilha e peculato.
Reinaldo Carneiro Bandeira – Superintendente de obras rodoviárias da Sinfra. Era a ponte entre João Dominici e os técnicos que inventavam as licitações. Mantinha contato direto com Teixeira e obrigava o engenheiro a montar os processos das rodovias fantasmas. Indiciado por formação de quadrilha, fraude em licitação pública e peculato.
José de Ribamar Teixeira Santos – Engenheiro da Sinfra. Era o responsável por inventar os nomes dos povoados e atestar, sem nem ao menos ver o processo, a conclusão da “obra”. Confessou ao Ministério Público que assinava as medições por ordem expressa de João Dominici. Enquadrado nos crimes de formação de quadrilha, peculato e fraude em licitações.
Luís Carlos Mesquita – Assessor jurídico da Sinfra. Coordenava a Comissão Setorial de Licitação e era responsável pela escolha das empresas “vencedoras” do processo. Também enquadrado nos crimes de peculato, formação de quadrilha e fraude em licitações.
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